Oceano de Incertezas
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Little fish, big fish, swimming in the water.
What do we do with a drunken sailor?
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Item nº: SCP-091-PT
Classe de Objeto: Keter
Nível de Ameaça: Vermelho ●
Procedimentos Especiais de Contenção: A região ao redor das ruínas da Companhia Nacional de Álcalis deve ser devidamente sinalizada como uma área de risco químico, selada por um cercamento completo e monitorada remotamente por câmeras de segurança, operadas pela FTE PT5 - "Liquidadores".
Sistemas de monitoramento automáticos de ondas de rádio da Fundação devem alertar a FTE PT5 para a ativação do evento anômalo associado ao local, possibilitando o envio de membros para a realização da contenção de danos dos efeitos do evento e a prevenção da disseminação de informações a respeito na região.
Após o fim do evento que envolve SCP-091-PT, membros da FTE PT5 devem utilizar borrifadores para espalhar uma solução aquosa simples de calcário na região florestal ao redor do complexo industrial, a fim de neutralizar os efeitos adversos que os subprodutos da anomalia causam ao solo.
Finalmente, uma incursão deve ser realizada no interior das ruínas para determinar sua integridade, além da estabilidade das instâncias da anomalia que se encontram no local.
Descrição: SCP-091-PT é um evento que ocorre na área das ruínas do complexo da Companhia Nacional de Álcalis, localizada no município de Arraial do Cabo, RJ. A anomalia é iniciada quando emissoras de rádio na região transmitem a frase "a previsão do dia é de chuva" dentro de um mesmo intervalo de tempo, que aparenta ser cerca de dez minutos. Tal situação ocorre de maneira aleatória, com situações em que as frases de ativação do evento anômalo são introduzidas na transmissão sem o conhecimento da emissora ou dos radialistas apresentando no momento, por meios ainda desconhecidos.
A partir do momento descrito, qualquer líquido presente dentro de uma área de ~5000 m² do centro do complexo atinge temperaturas extremamente elevadas, evaporando em minutos. Foram notadas tais alterações em substâncias como água, seiva, sangue e mercúrio, afetando desde aquíferos subterrâneos à seres vivos presentes no local durante o evento anômalo.
Após tal ocorrência, os gases se unem em alturas de aproximadamente 2 km, iniciando um processo de precipitação em intervalos de tempos variados, na forma de uma substância ácida altamente corrosiva ainda não identificada, capaz de gerar danos extensivos à seres vivos, estruturas físicas e ao solo, podendo ter resultados extremamente danosos. Em até cinco dias, o processo é finalizado.
A instância de SCP-091-PT aparenta ser, de alguma forma ainda desconhecida, responsável pelo evento anômalo como um todo ou em parte. Dada a instabilidade do local e do estado cognitivo da entidade, testes e questionamentos foram inconclusivos.
TRANSCRIÇÃO DE REGISTRO DE VÍDEO - 091/01
Créditos
Autor: lulatred
Imagem: [http://www.naval.com.br/ngb/R/R022/R022-f04.jpg] , colocada sob domínio público pelo acervo da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha.
Item nº: SCP-037-PT
Classe de Objeto: Seguro
Nível de Ameaça: Branco ●
Procedimentos Especiais de Contenção: Esforços atuais devem estar voltados à reaquisição do objeto. Após reavaliação do estado da anomalia, novos Procedimentos Especiais de Contenção serão determinados.
SCP-037-PT deve ser mantido em um hangar na região portuária do Rio de Janeiro, sob jurisdição do Sítio PT16, com acesso restrito a civis. O local deve ser monitorado remotamente pelo sítio mencionado e é preciso que, semestralmente, seja realizada a vistoria da área em busca de danos estruturais. Dadas as condições da anomalia, cuidados adicionais com o objeto não são necessários.
Descrição: SCP-037-PT é a denominação dada a uma réplica do navio hidrográfico/corveta Rio Branco. A embarcação original foi fabricada em 14/12/1954 pelo Exército Brasileiro, tendo sido desmontada ao final do período do regime militar no país e remontada por volta de 2002 no interior de SCP-020-PT, quando o local estava sob controle da Superintendência Brasileira do Paranormal.
A anomalia é composta totalmente de plânctons bioluminescentes, condizentes com aqueles encontrados no corpo d'água de SCP-020-PT, que possuem a capacidade de alterar sua coloração de forma semelhante à original da embarcação. Os seres que compõem SCP-037-PT produzem constantemente uma secreção viscosa, capaz de se tornar mais rígida horas após ser expelida, que os mantém unidos com efetividade, imitando o formato da embarcação em questão.
Os plânctons que compõem SCP-037-PT se reproduzem de forma assexuada, de forma que, em média, cada ser gera um semelhante a cada dois meses, exceto quando a estrutura geral da anomalia sofre algum dano relevante. Quando isso ocorre, os seres entram em um processo elevado e acelerado de reprodução, além de aumentar a secreção que expelem, rapidamente voltando o objeto à sua forma original.
Além da estrutura geral da anomalia, todas as estruturas físicas não orgânicas que supostamente estavam na embarcação original foram replicadas pelos mesmos plânctons mencionados e, caso sejam afetadas, também são recompostas pelos seres em suas posições e formas originais.
SCP-037-PT foi descoberto no dia 19/04/2021 após ter se chocado contra uma formação rochosa próxima às Ilhas Cagarras, Rio de Janeiro. Funcionários da Fundação integrados na patrulha da reserva ambiental da região visualizaram o objeto se afastar das rochas e reparar os danos causados ao casco, voltando à deriva. No mesmo dia foram despachados times de contenção para levar a anomalia ao seu último local de contenção, ao passo que o pessoal não autorizado na região foi devidamente amnesticizado.
O objeto permaneceu no local de contenção até a evacuação populacional do Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2022, quando teve de ser abandonado dadas as dificuldades de transportá-lo em meio a crise causada pela expansão da área de efeito de SCP-078-PT.
No dia 03/11/2024, o objeto foi localizado na Baía de São Marcos, Maranhão, acompanhado de uma frota estacionada no mesmo local. Com início do monitoramento na região, logo foi determinado que tanto a anomalia quanto área ao redor se tornaram a base de operações da Décima Esquadra do Exército Laurenciano (GdI-209). Até o momento, nenhum avanço foi realizado no combate ao Grupo de Interesse em questão ou na reaquisição da anomalia.
Registros indicam que o objeto foi modificado, de forma que fo
Item nº: SCP-039-PT
Classe de Objeto: Keter
Nível de Ameaça: Vermelho ●
Procedimentos Especiais de Contenção: Monitoramento remoto em objetos de sinalização náutica e manual por divisões da Fundação nas diversas instituições de manutenção da lei em alto-mar devem constantemente localizar cadáveres humanos sobre e sob a água. Cadáveres não afetados por instâncias de SCP-039-PT devem ser enviados à áreas e sítios da Fundação para registro, incineração e descarte apropriado.
Uma instância de SCP-039-PT de cada espécie animal afetada deve ser contida em suspensão criogênica no Laboratório de Criogenia Marinha do Sítio PT42. Demais instâncias identificadas devem ser imobilizadas por meios não-letais, catalogadas e, posteriormente, neutralizadas. Dada a agressividade e possível risco à vida humana impostas por instâncias de SCP-039-PT, testes utilizando espécimes vivos não são permitidos.
Campanhas informativas foram produzidas e distribuídas internacionalmente conforme avistamentos de instâncias da anomalia tiveram um aumento exponencial, alertando sobre os perigos impostos por cadáveres lançados ao mar e avisando para que civis não se aproximem caso observem qualquer corpo sobre a água.
Descrição: SCP-039-PT é um fenômeno que afeta espécies marinhas de peixes anguiliformes e crustáceos de grande porte de forma aparentemente aleatória na região do Oceano Atlântico, tornando-os parasitas necrófagos, independentemente de seus hábitos anteriores.
Instâncias de SCP-039-PT buscam, geralmente, cadáveres humanos tanto para se alimentarem quanto para encontrar abrigo. Inicialmente, instâncias procuram ingerir a parte externa da região inguinal do corpo, se instalando no interior e consumindo principalmente os órgãos internos da região torácica, deixando a cabeça, abdômen e a maior parte da camada epitelial e demais tecidos musculares relativamente intactos.
Uma vez instaladas, instâncias de SCP-039-PT são capazes de fazer com que os cadáveres se movimentem, mesmo que de maneira errática, pelo fundo do corpo d'água onde se encontram, aparentemente imitando o movimento humano de nado. Assim que se encontram na proximidade de seres humanos ou estruturas artificiais, as instâncias conduzem o cadáver a aboiar à superfície e, uma vez nessas condições, cessam seu movimento.
No momento em que algum indivíduo se aproxima dos cadáveres, as instâncias de SCP-039-PT se retiram de onde estão instaladas e buscam incapacitar e submergir os sujeitos nas proximidades. Apenas quando esses falecem, instâncias realizam o mesmo processo inicialmente descrito, se instalando no novo cadáver e repetindo o processo.
Descoberta: SCP-039-PT foi descoberto por um grupo de membros remanescentes do Clube de Caça da Fauna e Flora (CCFF), localizados na antiga plataforma petrolífera PPM-1, a cinco quilômetros de distância do antigo município de Arraial do Cabo, Rio de Janeiro, em 28/06/2023. A Fundação Lusófona foi alertada da existência da anomalia após um membro dissidente do grupo (PdI-829) realizar uma denúncia formal acerca das atividades exercidas por seus antigos companheiros.
[…] Era caça grande. O Plataformista estava atrás do bicho há anos. Acho que pegando coisas menores no caminho ele conseguiu manter uma certa credibilidade. Até eu caí na história dele, mas enfim. Era coisa de lenda, mas que ele realmente acreditava que estava por ali.
A situação em terra foi piorando aos poucos. Éramos uns trinta na plataforma, eu diria. Cerca de dez voltaram para suas famílias, mais cinco foram esperar a evacuação e o resto ficou. O Plataformista fazia discursos sempre, chamava os que estavam indo embora de fracos, de desgraças ao nome do Clube, como se tivéssemos alguma coisa para honrar. Mesmo assim, eu caí nessa história também, por muito mais tempo que deveria.
Um dia, paramos de receber informações dos que ainda estavam em terra. Talvez tenha sido a evacuação, talvez não. De qualquer maneira, nem eles nem mais ninguém se comunicou com a gente. Estávamos isolados. Uma Caçada é uma Caçada, quando começa você vai até o fim. Se bem que a gente nem sabia o que estava caçando.
A comida foi acabando, pesca era lenta e pegar uma fragata era motivo de festa. No meio disso o Plataformista levava alguns para o meio do mar, dizendo saber onde estava o lar do monstro. Voltavam sempre de mãos vazias.
Às vezes passavam uns barcos a distância. Nós ignorávamos. Um dia vieram alguns capacetes azuis levar a gente embora, para a nova civilização. O Plataformista ficou doido; ele ainda estava na Caçada. Gritou, atirou pro alto e cuspiu até os homens irem embora. Falou que quem quisesse podia ir com eles. Ninguém deu um passo.
Cada vez mais ele foi ficando recluso, menos coerente, mais obcecado. E cada vez mais tínhamos que racionar a comida da semana. Perdemos três até hoje. Um quando ficaram presos numa tempestade procurando o bicho, outro simplesmente foi dormir e nunca levantou. Jogamos o corpo desse último no mar, enrolado na nossa bandeira do Clube. Foi uma cerimônia bonita.
Era de tarde, enquanto eu estava pescando na base norte, que o corpo voltou. A bandeira já estava despedaçada, como era de se esperar, mas fora isso ele parecia inteiro. Eu chamei os outros. Grande erro. Quando o Cadu foi puxar ele para cima, a enguia deu o bote. Certeiro na jugular. Ele nem teve tempo de gritar. Quando o corpo do Cadu boiou de novo, enchemos de tiro sem pensar.
A enguia era grande. Grande demais. Ela tinha uma cor estranha, como se fosse ferrugem, e um sangue preto como óleo. Durou uns três dias até acabarmos de comer. Carne boa. Mas eu sentia que estava fazendo algo… errado. Como se fosse um crime, mas não havia nenhuma regra contra. Pensei nas minhas Caçadas antigas, me imaginei comendo elas. Era como jogar fora uma medalha, sabe? Não fazia sentido.
O Plataformista chamou os bichos de dádivas. Ele comia com as mãos, às vezes até cruas. A maioria dos outros parecia entrar no mesmo transe. Eu não aguentei muito tempo. Os cadáveres apareciam constantemente, cada vez mais. Vários companheiros chegaram bem perto das últimas tentando pegar os bichos, principalmente depois que a munição acabou.
Enfim, como eu disse, não aguentei muito tempo. Uma noite eu pulei em um dos botes, remei o quanto dava e me deixei levar. Não consegui ficar para ver aqueles que já chamei de irmãos se reduzirem a… sei lá. Então vocês me encontraram e aqui estou eu.
[…]
Não sei dizer. Muitos acabaram perdendo suas famílias, literalmente ou pelo menos o contato. E a Caçada… você não entenderia. Ela te consome. Quanto mais tempo dura, mais focado você fica. O Plataformista já não tem mais nada além do foco. É tudo que ele fala sobre, é tudo que ele faz. É tudo que ele é agora.
[…]
Fico feliz em ajudar. Vou indo então, tenho documentos pra acertar. Qualquer coisa, fico à disposição.
Monitoramento da plataforma confirmou as informações fornecidas por PdI-829, levando à classificação do indivíduo identificado como "Plataformista" de PdI-032. Dada a possível hostilidade apresentada pelo grupo e a falta de possibilidade de se comunicar remotamente com a estação, esforços de contenção foram restritos a observação do local à distância.
Em 23/06/2024, a plataforma foi abordada por membros da Décima Esquadra do Exército Laurenciano, porém, os detalhes da interação são desconhecidos. Aparentemente, a plataforma se tornou um ponto de trânsito e reabastecimento de embarcações da Décima Esquadra, que regularmente depositou armamentos, munições e gasolina no local, que também foram usadas por PdI-032 e seus companheiros em suas expedições pelo Oceano Atlântico.
Aproximadamente cinco meses após o encontro inicial entre os dois grupos, cadáveres começaram a ser entregues à plataforma por parte da Décima Esquadra. Os corpos incluíam membros da Décima Esquadra, COG, diversas filiais da Fundação e, aparentemente, civis. No mesmo período de tempo, diversos perímetros foram estabelecidos na água, relativamente afastados da plataforma, onde os cadáveres entregues passaram a ser depositados.
Foi observado que os perímetros se tornaram locais de criação e abate de instâncias de SCP-039-PT. Instâncias abatidas passaram a ser levadas à plataforma, onde eram processadas e transportadas pela Décima Esquadra para diversos locais pertencentes ao grupo.
Ações Tomadas: De acordo com as novas diretrizes marinhas provenientes da 2ª Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e visto a evidente ameaça imposta à Fundação Lusófona por parte dos indivíduos assentados na plataforma, além da reprodução e uso ilegal de entidades anômalas sencientes, a FTM53-ζ "Aruanãs-Prateados" foi enviada ao local para realizar uma operação de pacificação no dia 13/08/2024.
A operação foi bem-sucedida, resultando na fuga de PdI-032 e cinco de seus companheiros, além de um número indeterminado de integrantes da Décima Esquadra a um local desconhecido. Cerca de doze indivíduos hostis foram eliminados em combate. Da equipe de dez operativos da FTM-53-ζ, dois foram eliminados em combate.
O perímetro da plataforma foi assegurado ao longo do mês seguinte, com o estabelecimento de boias de sinalização marítimas e a introdução de funcionários permanentes na área. Equipamentos e recursos encontrados no local foram integrados aos armazéns do Sítio PT42, enquanto pertences pessoais foram confiscados, analisados e devidamente armazenados no mesmo sítio.
Ao redor da plataforma foram encontradas mais de 350 instâncias de SCP-039-PT, portanto, após ter sido atingido o limite de instâncias a serem contidas no Sítio PT42, foi determinada a eliminação das demais.
Adendos: Seguem documentos recuperados da plataforma relevantes ao estudo geral da anomalia, dispostos em ordem cronológica estimada, dada a falta de datas precisas.
Eu sinto a coisa me olhar. Entre as árvores, em meio às pedras, por baixo da água. Eu sinto ela me observar pelos olhos dos que me seguem. Eu sinto ela me chamar pelas falas dos que me cercam. Em meus sonhos, eu vejo ela. Pela visão dos peixes, pelas frestas da areia. Uma serpente, um polvo, um monstro. Todos e nenhum. Me chamam de louco, só porque não sentem o que eu sinto. Cegos, todos.
Ela quer a morte. Quer que eu a mate. Ou que eu pelo menos tente. Ela me disse, entre o som de trovões e gritos na noite passada, ela quer que eu a cace. Que eu comece uma Caçada, com seu nome ilegível gravado na ponta de meus arpões. Quando eu comecei a pensar que havia matado de tudo, que havia completado minha jornada, um último desafio se pôs à minha frente. E eu vou derrubar a coisa.
Pela primeira vez, pude confirmar o que antes só surgia em minha imaginação por interferência da coisa. Seus padrões, seus símbolos, estão em tudo. As espirais retilíneas nas conchas, os tridentes nos cristais, a disposição em V dos peixes. São direções, são instruções. Ela repousa no fundo do oceano, esperando minha vinda, mas seus tentáculos por baixo dos rios ainda escrevem para mim.
Eu tentei formar letras, palavras e frases. Mas a coisa não se rebaixaria a nossa língua falha. São ideias, dispostas de maneira quase aleatória. É uma reflexão não dos significados dos símbolos, mas de todo o contexto ao redor deles. De se considerar o material por baixo, o tamanho das marcas, a quantidade em uma área. Alguns começaram a me escutar, a ver o que eu vejo. Minha jornada começa.
Uma tempestade se aproxima, as árvores se cansaram de nossa presença. Meus antigos colegas falam de uma transição, uma saída organizada para o mar. Já era meu destino de qualquer forma. Vamos embarcar no verão, um navio pesqueiro, algumas lanchas. Eu a ouço mais frequentemente agora, com mais clareza.
Nossa viagem nos levou a uma plataforma antiga, já abandonada. Um sinal, talvez, de que estou perto. Fizemos do local um abrigo temporário, pois já sinto que ela está por aqui, em algum buraco qualquer, onde o Sol não alcança. Eu só preciso procurar.
A fome é um teste passageiro. Eu esperava alguma empecilho em meu caminho como isso. Alguns começaram a nos deixar. Covardes. Não a ouvem mais? Ou o medo tomou conta de seus corações? Covardes de qualquer forma.
Ela agraciou os mais resilientes com uma dádiva: sua própria prole. Seu sangue é negro, quase capaz de absorver a luz, como o próprio mar à sua volta, tão escuro quanto o vazio do espaço que nos cerca. Um sabor indescritível, que recupera minhas forças e dá esperança aos meus companheiros. Eu afio a ponta do arpão todos os dias, coberto de símbolos que ela me mostrou, coberto de ferrugem que o tempo traz.
Nossos banquetes são longos e proveitosos. O sabor fica cada vez melhor. Elas vem com tamanhos absurdos, cobrindo toda a mesa. Ela está rindo de mim, mostrando sua força, do que ela é capaz de fazer. Eu banho minhas mãos e meus braços no óleo que sai das veias desses seres, bebendo ele constantemente. Minha visão se estreita, seus sinais ficam mais fortes, mais palpáveis. Todos conseguem ver agora.
Auxílio, devidamente guiado por ela. Homens e mulheres, em algum tipo de conflito. Suas palavras não me valem de nada, suas ofertas são de pouco interesse. Querem partilhar da dádiva. Eu aceitei. Querem usar nosso abrigo. Eu aceitei. Não faria diferença se eu escolhesse o contrário. Eu tenho entrado em algumas fendas e cavernas. Ainda nada. Estou olhando raso demais, onde ainda existe luz. Tenho que me aprofundar, me entregar para as águas.
Eles me avisam de um inimigo, querendo interromper minha caçada. Eu ignorei. A única coisa capaz de me parar é a vitória. Eu passei por corais ontem, que cantaram para mim. Cantaram que era ali, no meio da carcaça de um velho submarino, entre as pedras rachadas, que a encontrarei. Partirei em breve.
O arpão está pronto. Eu estou pronto. Ouvi o som abafado de gritos e disparos pela manhã. Mais distrações fúteis. Farei uma última refeição antes de partir, antes de alcançar meu tão esperado destino. Irei encher os mares com o sangue dela, para que todos possam ver minha glória.
Buscas por PdI-032 estão em andamento, assim como pela entidade descrita pelo indivíduo.
Um quebra-molas que apareceu no caminho sem aviso quase fez César botar o café da manhã todo para fora.
"Porra Santos." Disse o cabo, com a voz trêmula. "Vai mais devagar cara…"
"Me desculpe, princesa." Respondeu Santos, em tom de deboche. "Mas a gente não tem o dia todo. O sargento quase arrancou a minha cabeça fora porque você demorou meia hora pra se levantar."
"Ah, foda-se…" Disse César, olhando pela janela, tentando focar em algum ponto fixo no horizonte, porém o balanço do caminhão tornava aquela tarefa quase impossível. O cabo já havia feito aquele trabalho diversas vezes. Era simples, era rápido e ele era recompensado. Mas mesmo assim, só de ver um fósforo aceso César sentia seu estômago revirar. Talvez nem seja o trabalho em si. Interrogar alguém e se livrar do corpo. Ele estava acostumado àquilo tudo. Mas o cheiro. Aquele cheiro fazia o cabo ficar tonto toda vez. "Pelo menos o lugar é perto." Pensou César, enquanto fechava os olhos para tentar descansar um pouco.
"Acorda César. Eu nunca mais vou te deixar dormir seu desgraçado." Disse Santos, enquanto dava alguns socos no ombro do companheiro. "Se a gente fizer isso logo, ainda dá tempo de pegar o almoço quente."
César lentamente tirou sua cabeça da janela, olhando em volta para tentar entender onde estava. "Canedo." Pensou o cabo. A estrutura principal da usina ficava pouco mais à frente do caminhão, no topo de uma pequena colina. César pegou sua pistola e a pasta arquivo do porta-luvas, abriu a porta e saiu do veículo.
O cabo ficou alguns segundos parado, observando a grande chaminé de tijolos, abaixo do céu nublado. Ele colocou sua arma no coldre da cintura e se dirigiu à traseira do caminhão, para ajudar seu companheiro.
"Finalmente." Disse Santos. "Vamos."
César pegou uma das pontas da lona, levantando-a com seu companheiro, para revelar três pessoas deitados no chão. Os dois soldados entraram no veículo, e começaram a levar aqueles homens para fora. Após botar o último deles de joelhos no gramado, César começou a retirar os sacos de pano de suas cabeças.
O homem do meio vestia um terno cinza listrado, um par de sapatos de couro e uma gravata vermelha, enquanto os dois outros vestiam apenas regatas brancas e calças beges, além de sandálias de couro.
"Então…" Disse Santos, retirando seu fuzil das costas. "Acho que vocês sabem como isso funciona. O sargento pediu para dar uma última chance de vocês dizerem onde está isso aqui."
Santos estendeu a mão para César, que o entregou a foto do objeto.
"Bom, não posso prometer nada, mas talvez vocês escapem de virar churrasco, e fiquem simplesmente em uma cela. O que acham?"
Os homens permaneceram em silêncio, olhando fixamente para a foto.
"Tudo bem, tudo bem. Sei que a oferta não foi muito honesta. E provavelmente seria melhor morrer do que voltar pras mãos do delegado, não é?" Nenhuma resposta. "Vamos fazer assim então, na maior sinceridade, ou vocês falam onde está essa porra, e eu dou um tiro na cabeça de cada um logo, ou vocês não dizem, e aí a gente vai ver qual aguenta mais tempo na fogueira. Que tal?"
"Quem vocês pensam que são?" Disse o homem no centro. "Vocês acham que só pelo seu general estar no gabinete presidencial, vocês controlam tudo que acontece no país? Vocês são ridículos. Nós três, somos nada. Já cumprimos nosso papel. E nada que você oferecer aqui vai nos fazer mudar de ideia. Na próxima, que tal comprar alguma coisa no leilão, ao invés de tentar destruir ele? Assim você acaba levando alguma coisa para casa, e todo mundo ganha."
"É… Talvez você tenha razão. Mas eu não dou a mínima. Meu trabalho é dirigir um caminhão e soltar bala em filhos da puta como vocês. E aí, nada? Bom, vocês que sabem. Vem César, me ajuda aqui."
O homem do meio foi sendo arrastado pelos dois soldados em direção aos fornos da usina. Chegando nos espaços, César abriu a primeira escotilha, derramou o óleo dentro e ajudou Santos a colocar o homem dentro daquele pequeno espaço. Depois fechou a escotilha, acessou o compartimento de baixo e jogou um fósforo aceso dentro.
Em um segundo o calor já fazia os dois soldados suarem, enquanto era possível ouvir os gritos de agonia do homem em chamas. Os dois se dirigiram de volta ao caminhão, levando o segundo homem para o mesmo destino.
Ao levar o terceiro para as fornalhas, o mesmo quebrou seu silêncio. "Por favor, por favor não! Calma, eu falo, eu falo onde tá."
"Ah. Já era hora." Disse Santos. "Vamos, fala."
"É um armazém, no meio da estrada, na 213 com a 153. Armazém C-08." Disse o homem. "Agora por favor me mata, não me faz queimar, me mata antes."
"GO?" Perguntou César, anotando na pasta arquivo em sua mão.
"Sim. Sim. Agora, por favor, vamos."
"Por quê você falou?"
"Você acha que eu devo tudo àqueles caras? Eu era empregado. De fora. Eu não quero saber das merdas que eles fazem, eu só levo o carregamento. Se eu sair daqui, eles me matam, de um jeito muito pior que uma fornalha. E aqui, se eu posso escolher, eu prefiro morrer rápido. Agora por favor. Acaba logo com isso."
Santos retirou novamente seu fuzil das costas, em seguida dando um tiro de misericórdia na cabeça do homem. Os dois soldados logo colocaram seu corpo na fornalha, repetindo o mesmo processo de antes.
César parou por um segundo, finalmente percebendo o cheiro que se espalhava pelo local.
"Vamos logo, Santos." Disse o cabo, sentindo o embrulho em seu estômago. "Vamos limpar essa merda e dar o fora de uma vez."
"Que horas são, César?" Perguntou Santos, acendendo um cigarro.
"Meio dia e quarenta."
"Porra. Vamos ter que se contentar com almoço frio. De novo."
"Nem sei se eu quero almoçar hoje."
O caminhão cruzava sozinho aquela imensa estrada que passava entre morros e campos, enquanto estremecia a cada buraco no caminho. Mesmo estando nublado, era possível ver alguns raios de luz atravessando o céu de fim de tarde, ao mesmo tempo que alguns pingos se chocavam contra o para-brisa do veículo. César mantinha sua cabeça encostada na janela, enquanto Santos olhava determinado para o asfalto à sua frente.
"De volta na estrada, não é, César?" Santos disse com um suspiro, em um tom quase sarcástico, tentando quebrar o silêncio que se estabelecera no veículo.
César não prestou atenção na fala de seu companheiro.
"César?"
"O quê?" Respondeu rapidamente o cabo, tirando sua concentração do horizonte.
"Esquece."
"Tudo bem…"
"O lugar é na 213 com qual mesmo?"
"153." Respondeu César, olhando a anotação em sua mão.
"Estamos perto." Disse Santos, por fim.
César voltou sua atenção à paisagem. O cheiro parecia estar preso às suas narinas e os gritos pareciam ecoar em sua mente, e tudo isso fazia seu estômago vazio se revirar. O cabo respirou fundo, voltando a se concentrar nas montanhas que se estendiam pelo horizonte.
"Deve ser isso aqui." Disse Santos, desacelerando o veículo.
"É. Parece mesmo." Concordou César, pegando sua pistola do porta-luvas e um pé de cabra que estava ao seu lado.
Santos parou o veículo em um pátio vazio, ao lado da grade que cercava o complexo.
"Aqui está bom." Disse Santos, saindo do caminhão. "Anda César, não quero pegar essa chuva."
Os homens deixaram o veículo, entrando na área e passando pelos caminhos estreitos que atravessavam o complexo, se guiando pelos grandes números brancos pintados acima das portas de cada armazém, até chegar no local anotado.
"C-05… C-06… 07… Aqui." Disse César, apontando para a porta de metal à sua frente.
"Beleza. Um segundo que eu já…"
Santos chutou a porta uma vez, sem sucesso.
"Porra. Eu pensei que isso era mais fácil. César, tenta você, eu vou ver se tem uma janela atrás ou alguma coisa assim."
César tentou usar o pé de cabra para abrir a porta, porém não obteve sucesso.
"César!" Exclamou Santos, da parte traseira do pequeno armazém. "Vem aqui!"
O cabo contornou a estrutura até encontrar seu companheiro, que estava agachado observando um cadeado no chão.
"Acho que é mais fácil por aqui."
César pegou o pé de cabra, colocou uma das extremidades no centro do cadeado e quebrou o objeto, possibilitando a entrada dos dois soldados na estrutura.
"Boa." Disse Santos. "Vamos, me dá uma mão."
Os dois soldados pegaram a base da porta retrátil, levantando-a sem muito esforço. Abrindo o portão, os homens entraram no armazém, se deparando com duas caixas de madeira e um corpo no chão do primeiro piso.
"Que merda é aquela?" Perguntou Santos.
"Vou ver, vai olhando as caixas." Disse César, se dirigindo ao corpo, com sua pistola em mãos.
Se aproximando, César pode confirmar. "Morto." Pensou, vendo uma nuvem de moscas voar do rosto do cadáver, que estava completamente desfigurado. "Alguém realmente não gostava desse cara." Voltando-se para Santos, o cabo viu que seu companheiro havia encontrado alguns documentos.
"E aí?" Questionou César, guardando sua pistola.
"Acho que é isso." Respondeu Santos. "Vamos logo, não acho que esse lugar é definitivo. Me ajuda aqui."
Os dois homens pegaram a caixa maior primeiro, saindo do armazém de volta ao caminhão, abaixo do chuvisco que começava a ficar mais forte.
César fechou a porta do caminhão, se ajeitando no assento, pronto para dormir na viajem de volta, mas o frio e o som da chuva atrapalhavam seus planos.
"E aí, Santos." Disse César, sonolento. "O que tem nas caixas?"
"Sei lá, ué. Eu não abri." Respondeu Santos.
"Mas você não leu os papéis deles?"
"Ah sim, mas só dizia alguma coisa tipo 'tapete' e 'lança'. Era uma tabela, na verdade, com os códigos, os preços e tudo mais."
"Entendi… Vai passar pela usina?"
"Melhor, dando a volta tem mais curvas, e você sabe que esse caminhão não gosta de um piso molhado."
"É, eu lembro da última vez."
A escuridão começava a tomar conta da estrada, enquanto a chuva dificultava mais ainda a visão do motorista. Santos começou a dirigir mais lentamente o veículo, enquanto cerrava seus olhos para evitar algum acidente.
"Sabe o que eu mais odeio nessa merda?" Perguntou Santos.
"O quê?"
"A falta de poste. Como alguém consegue dirigir de noite nisso?"
"O Matias disse no almoço que o Costa e Silva estava querendo iluminar as estradas."
"Deve ser mentira, disseram que o Castelo ia fazer a mesma coisa."
"Ainda bem que quem dirige é você, pra mim tanto faz." Disse César, dando uma leve risada.
"Ah, vai se foder, César."
"Ei, Santos?"
"Fala."
"Esse carro tá atrás da gente há um tempo?"
Santos olhou para o retrovisor. "Acho que sim. Por quê?"
"Não sei, mas a gente passou por umas duas cidades, e a gente está bem lento. Por quê ele só não passa logo?"
Santos bateu na buzina com força. "Opa!" Santos exclamou, virando seu rosto para a janela aberta do veículo. "Pode passar!"
Nenhuma resposta ou reação do carro.
"Mas que porra…" Santos buzinou novamente, colocando parte de sua cabeça para fora da janela. "Ei! Você tá me ouvindo? Eu disse que…"
Um tiro repentino acertou o retrovisor, pouco abaixo da cabeça do soldado.
"Filho da puta!" Gritou Santos, voltando para dentro do caminhão e afundando seu pé no acelerador. "César, me ajuda porra!"
César retirou sua pistola do porta-luvas e se virou para trás, tentando acertar o veículo pela pequena janela na parte de trás da cabine do caminhão. O cabo deu três tiros, porém apenas um acertou o carro, em um dos faróis.
"Relicário?" Perguntou César.
"Claro que é!" Respondeu Santos.
"Puta merda. Você trouxe o fuzil?"
"O que você acha?"
"Boa, seu idiota."
Mais um tiro vindo do carro acertou a traseira do caminhão.
"Eu não tenho pente sobrando, Santos."
"Cacete, a gente tá quase chegando em Canedo, só assusta eles mais um pouco."
"Santos, o quartel é na casa do caralho, em que Canedo ajuda a gente?"
"A fábrica."
O carro começou a acelerar, tentando chegar ao lado do caminhão, enquanto mais três tiros foram disparados contra os soldados.
"Fecha eles, Santos!"
Santos virou o veículo, conseguindo manter o carro atrás de si. César se levantou de novo, atirando mais duas vezes, ainda sem acertar os alvos.
"Aqui!" Exclamou Santos, fazendo a curva em uma rua que contornava a cidade. "A gente tá quase lá, descarrega tudo neles!"
César disparou as últimas duas vezes contra o carro, vendo que seu último tiro acertou o para-brisa, talvez acertando o passageiro, porém, dada a escuridão, era impossível de confirmar. A única coisa que o cabo tinha certeza, era de que o veículo estava desacelerando, conforme os postes começavam a iluminar o caminho. Ao ver o carro virar em uma rua que entrava na cidade, César se sentou novamente, dando um suspiro aliviado.
"Eles foram embora?" Perguntou Santos.
"Sim." Respondeu César, ofegante. "Falta muito?"
"Acho que é logo ali na frente."
Santos parou o caminhão na frente do portão da grade que cercava o terreno, buzinando quatro vezes. Rapidamente um soldado saiu da porta principal da fábrica, correndo na chuva para abrir o portão.
"Como você sabe desse lugar?" Perguntou César.
"Eu dirigi o Osório pra cá uma vez."
"Entendi…"
"Então, o que temos aqui?" Disse o sargento, com o nome 'Borges' estampado em seu uniforme.
"Recuperação de carga, senhor." Disse Santos.
"E esses buracos no caminhão?"
"Relicário, senhor." Respondeu César.
"Tudo bem… Vocês são de qual batalhão, soldados?"
"58º de Infantaria Motorizada, senhor." Disse Santos.
"Ah, pertinho do alto escalão, não é?"
"Acho que sim, senhor."
"Bom, temos um pessoal que pode fazer a análise aqui, e podemos mandar vocês dois e o caminhão todo para lá, mas vão ter que esperar até amanhã. Precisamos de um tempo para ligar a máquina e meus homens daqui já foram se deitar, então de manhã resolvemos isso. Ah, não temos camas sobrando, vocês vão ficar bem?"
"Sim senhor, podemos ficar no caminhão mesmo."
"Bom, então está tudo ótimo. Vou fazer um relatório agora mesmo. Mateus!" Disse o sargento para um soldado próximo. "Leva as caixas lá para baixo. Vocês dois, dispensados." Finalizou, virando-se de costas para os soldados e se dirigindo à escada principal da estrutura.
César e seu companheiro se ajeitaram na cabine do caminhão, deitando seus assentos.
"César?"
"Fala."
"Quando a gente voltar, tá a fim de mudar de posto?"
"Limpeza? Ou guarda?"
"Guarda né, pelo amor de Deus."
"Fechado."
FTM PT11-∆ ("Soldados de Papel")
[[=PT11.jpg size="small"]]
Missão da Força-Tarefa: Originalmente designada para ser a principal força de combate da Fundação durante o regime militar no Brasil, em resposta aos crescentes ataques da Superintendência Brasileira do Paranormal, a FTM PT11-∆ era composta por quase cem operativos com treinamento militar, focados na contenção de objetos e na eliminação de membros da SBP. Após a dissolução do GdI, a FTM PT11-∆ foi drasticamente reduzida, tendo a maioria de seus operativos realocados para outros postos da Fundação. Atualmente, a FTM mantém seus objetivos originais, porém atuando em menor escala.
Assistência na Contenção dos Objetos: [SCP-095-PT]
1 - Mensagens
SUPERINTENDÊNCIA BRASILEIRA DO PARANORMAL
NOME DO OFICIAL ENCARREGADO
LOCAL E DATA
DE:
PARA:
ASSUNTO: UMA PEQUENA FRASE QUE RESUME O CONTEÚDO
ADENDOS: OPCIONAL, CASO NÃO HAJA ADENDOS, COLOQUE " / "
CONTEÚDO DA MENSAGEM
ADENDOS E SEUS CONTEÚDOS
Ass.: assinatura de quem escreveu a mensagem (pode trocar a fonte)
ORDEM E PROGRESSO
2 - Relatórios de Inimigos de Estado1
SUPERINTENDÊNCIA BRASILEIRA DO PARANORMAL
NOME DO OFICIAL ENCARREGADO
RELATÓRIO DE INIMIGO DE ESTADO (NÚMERO QUALQUER)
NOME:
IDADE:
SEXO:
ESTADO CIVIL:
NATURALIDADE:
PROFISSÃO:
ATIVIDADE: POR QUE O INDIVÍDUO É UMA AMEAÇA, INTEGRANTE DA ORGANIZAÇÃO X, ASSASSINOU O MILITAR Y, ASSALTOU O LOCAL Z, ETC.
CARACTERÍSTICAS PARANORMAIS: DESCRIÇÃO DETALHADA DA ANOMALIA.
AÇÕES TOMADAS: O QUE FOI FEITO PARA ELIMINAR O INDIVÍDUO OU SE FOI POSSÍVEL MANTÊ-LO PRISIONEIRO OU SE ELE CONTINUA ATIVO.
NOTAS: OPCIONAL
ORDEM E PROGRESSO
3 - Relatório de Organização Terrorista2
SUPERINTENDÊNCIA BRASILEIRA DO PARANORMAL
NOME DO OFICIAL ENCARREGADO
RELATÓRIO DE ORGANIZAÇÃO TERRORISTA (NÚMERO QUALQUER)
ORGANIZAÇÃO: (NOME DA ORGANIZAÇÃO)
LÍDER(ES):
CRIADA EM:
NÚMERO DE INTEGRANTES:
CONDIÇÃO: ATIVA, INATIVA, DESCONHECIDA, ETC.
AÇÕES NOTÁVEIS:
VISÃO GERAL:
AÇÕES TOMADAS:
NOTAS:
ORDEM E PROGRESSO
Eu abro meus olhos de repente. A primeira coisa que eu vejo é minha mão tremendo no cabo de minha lança, em seguida a multidão a minha volta e, finalmente, Ele. Eu olho confuso para os soldados que tentam conter a gritaria, esperando alguma ordem ou indicação, mas só ouço palavras abafadas.
Uma mulher puxa meu capacete por trás e instintivamente eu a empurro com toda minha força. Olhares de ódio me cercam enquanto eu me afasto de costas. Uma pedra me atinge no peito, fazendo eu me virar e correr em direção ao corpo erguido do homem pálido.
Mais pedras cruzam minha vista. Mais gritos atravessam minha mente. Eu vejo três raios de luz passarem pelas nuvens e se encontrarem com as cruzes de madeira. Eu tento correr mais rápido. Um soldado exclama meu nome, mas eu não dou atenção. A imagem quase artística dos três condenados se aproxima de mim. Eu tropeço em algo e caio de joelhos, em frente aos pés Dele.
Os raios de sol batem em seus olhos, que lentamente se movem para me encarar. Eu me levanto. Sua expressão de tristeza se torna uma de imensa dor enquanto, sem pensar, eu forço minha lança entre suas costelas. Eu ouço e sinto o metal cortar a carne e serrar o osso até que meus braços se cansam.
Tudo fica em silêncio. Tudo menos Ele. Sua boca se abre, deixando escapar uma última súplica, que dura o que parecem ser horas, até finalmente abaixar e sumir.
"Perdoa-lhes, Pai, pois não sabem o que fazem…"
Eu saio de meu transe ao ser tocado no ombro por Cícero.
"Não tem como segurá-los por muito tempo! Vamos embora!"
Eu aceno de leve com a cabeça, antes de lentamente começar a retirar minha arma do tórax a minha frente.
Até que, finalmente, sangue. Do buraco que fiz, quantidades imensuráveis daquele líquido jorram em minha direção. Tão negro quanto o céu da noite e ao mesmo tempo tão transparente quanto a água do mais puro rio. Eu sinto ele tocar meus cabelos, escorrer pela minha testa, cruzar meus cílios e se encontrar com meus olhos.
Eu grito o mais alto que posso e caio de costas no chão.
Meus olhos se tornam uma massa viscosa que lentamente pinga na terra.
E tudo fica escuro e silencioso.
"Evocati, por favor, me ajude!"
"Acalme-se, homem. O que é isso?"
"Longino se feriu em Gólgota! Apenas olhe para ele!"
"Mas o que… Rápido, chamem um curandeiro! Como isso aconteceu, soldado?"
"Eu… senhor, eu não faço ideia. Em um momento ele estava de pé ao meu lado e no outro estava estendido no chão, eu não sei como…"
Eu me esforço para dizer algo, mas acredito que apenas grunhidos saiam de minha garganta.
"Por aqui, Augusto."
"Deite-o na mesa, por favor."
Eu sinto algo frio passar por meu rosto.
"Mas… mas não há nenhum sangramento."
"O que?"
"Quem fez isso, soldado?"
"Eu… eu não sei. Eu não sei. Eu não vi ninguém perto dele."
"Abra a boca dele e dê isso para beber. Farei o meu melhor."
Novamente, silêncio e escuridão.
Eu lentamente caminho, me agarrando com firmeza em meu colega, esperando afundar meus pés em buracos na estrada que nunca chegam.
"Sente-se aqui, irei falar com o tribuno," Cícero me diz, enquanto me abaixa suavemente.
Me encostando na pedra fria da escadaria, eu ouço os passos de meu amigo se afastarem, enquanto o sol impiedoso esquenta meu rosto. Pássaros cantam ao meu redor e a areia e terra do chão saltam com o vento. Eu tento imaginar as casas, as tendas, as pessoas e as árvores, mas de nada adianta. Apenas sons das coisas que eu costumava ver permanecem.
"Eu lhe imploro, senhor. Apenas veja o estado dele!" Cícero volta gritando.
"Pois então me mostre." A voz rouca do homem que uma vez conheci arranha meus ouvidos.
"Irei tirar as faixas, Longino. O tribuno exige ver seu ferimento."
A mão de Cícero agarra a ponta da bandana envolta em minha cabeça e começa a puxá-la. Eu sinto o pano deixando de encostar em minha pele enquanto os buracos que abrigavam meus olhos passam a ser exibidos para o oficial.
"Sagrada Meditrina! Como é…"
"Não sabemos, senhor, mas o homem não pode ver mais nada. Acredita em mim agora?"
"Por favor, cubra isso. Eu… posso lhe dispensar do serviço, mas uma remuneração será impossível."
"Como assim 'impossível'?"
"Tempos difíceis, soldado. Não posso fazer nada, é além de meu poder. Irei assinar seu documento, aguardem um instante."
Eu ouço Cícero suspirar e se sentar ao meu lado.
"Parece que ninguém do governo está disposto a lhe oferecer uma ajuda. Acredito que podemos tentar pedir esmola na vizinhança, se sua condição se tornar um problema muito grande. Me desculpe, amigo."
"Não… não faz mal. Há meu pai na costa ao Norte, sei que conseguirei pelo menos um teto e alimento com ele."
"Quer que eu te leve até lá?"
"Já é tarde. Tudo que desejo agora é descansar."
Os passos arrastados do tribuno se aproximam de nós, interrompendo a conversa.
"Aqui, tome. Volto a falar, isso é tudo que posso fazer. Tenham um bom dia."
Cícero logo me ajuda a levantar. Me apoiando nele, nós caminhamos lentamente em direção à minha casa. Eu ouço crianças brincando, o vento batendo nas folhas de árvores, alguém trabalhando ao fundo e mais alguns bichos no trajeto. Mas ainda estou me afogando na escuridão. Em algum momento meu amigo me solta, enquanto eu encosto na parede fria de adobe de minha morada.
"Vai ficar bem mesmo?"
"Acredito que sim. Sei que tenho algo para comer ainda aqui. Obrigado."
"Irei voltar amanhã. De qualquer forma vou avisar Inácia de seu problema."
"Agradeço imensamente, Cícero. Vá, irei me deitar um pouco."
"Até mais, amigo."
Eu cambaleio pela minha porta, busco com minhas mãos minha cama e me deito nela. Presto atenção em todos os sons ao meu redor antes de sentir minha mente se acalmar.
A lança que perfurou o divino! Rápido, coloque um pouco da terra manchada na bolsa e vamos, Marcellus nos aguarda.
Eu acordo com um salto. Sinto meu coração bater mais rápido que de costume. Minhas mãos tocam a poça de suor que se formou em minha cama enquanto minha seca garganta implora por água. Estico meu braço para longe, procurando a ânfora, mas não encontro nada. Lentamente fico de pé e começo a andar em busca de minha única fonte de bebida no momento.
"Divino? Impossível. Um… um mero blasfemo. Um difamador e…"
Eu me calo ao sentir meu joelho se chocar contra a ânfora de barro. Tento me abaixar e segurá-la, mas é tarde. Eu ouço os cacos saltarem pelo chão enquanto a água se espalha entre meus pés.
Me sento no chão, com as mãos em cima das ataduras, me forçando para soltar lágrimas que nunca saem.
"Divino… Divino! Fui eu quem matou o santo! Fui eu quem perfurou seu corpo sagrado e o fiz sorrindo! Tenha piedade de mim, eu lhe imploro!"
Espero uma resposta para minha súplica, mas nada acontece. Permaneço sentado por alguns minutos, até me levantar e lentamente procurar pela porta com as mãos. Ao sair, o vento frio da noite logo atinge meu rosto, fazendo meu queixo tremer levemente. Forço minha memória para lembrar a direção da casa de meu pai e começo a andar pela estrada de terra.
Ergo minha cabeça, por mais que não haja ninguém para observar o que resta de meu orgulho, enquanto caminho pelos montes de areia que se estendem entre minha casa e a costa do Morto.
Cerca de uma hora se passa. Em algum momento tropeço no que parece ser uma pedra e caio com as mãos no chão. Eu sinto feridas se abrirem em minhas palmas e meus joelhos, mas me levanto e volto a andar.
Mais algum tempo se passa. Meu estômago começa a se remoer pela falta de alimento e a sede ainda castiga minha garganta. Sinto pedras entre meus pés e minhas sandálias ao passo que o vento frio continua a gelar minha espinha. Mesmo assim, continuo andando.
Sinto que já deveria ter alcançado a margem, mas já perdi a noção do tempo e meu senso de direção. Considero me virar para a esquerda, mas admito para minha própria mente estar perdido. Minhas pernas começam a ficar trêmulas de cansaço. Meus dedos começam a doer pelo frio.
Em algum momento, eu colapso ao chão.
Ótimo, ótimo! Pensei que tomariam tudo na área antes de chegarem. É perfeito. Coloque a terra em um dos frascos e acenda uma tocha, temos muito trabalho pela frente.
Eu acordo sentindo uma mão em meu rosto.
"Levanta, Longino."
"Quem…"
"Não importa. Apenas fique de pé."
"Não… eu não consigo."
"Consegue sim. Vamos, eu te ajudo."
O sujeito me agarra pelos braços enquanto me esforço para ficar me levantar.
"Viu? Agora anda, falta pouco."
"Pouco? Pouco para…"
"Você verá. Venha."
Arrastando meus pés e me segurando nesse indivíduo, eu lentamente volto a caminhar. Andamos juntos por mais alguns metros até que começo a escutar o som de ondas batendo de leve na costa.
"Ouviu? Você… ouviu a minha prece?"
"Claro… claro que ouvi, Longino."
"Eu posso ser… perdoado?
"Mais um pouco e você será. Continue andando."
Sinto meus pés caminharem sobre grandes pedras, deixando a areia para trás.
"Aqui. Pare aqui."
A brisa e o cheiro do mar se encontram com minha cabeça rapidamente.
"Quem… quem é você?"
"Um amigo. Um mensageiro. Um protetor."
"Eu fui perdoado?"
"Ainda não. Só há uma coisa que precisa fazer para provar seu arrependimento."
"Qualquer coisa… Eu faço qualquer coisa…"
"Ótimo, ótimo."
As mãos do sujeito encostam por meio segundo em meu peito enquanto sou jogado para trás. Tento me segurar em alguma coisa na escuridão em que me encontro, mas não há nada que eu possa fazer. Meu corpo fica leve quando meus pés deixam de tocar o chão e começo a cair.
Até que minha cabeça se choca contra algo duro.
Eu giro algumas vezes no ar até finalmente cair na água, com meu rosto virado para baixo.
Sem conseguir me mover, eu permaneço consciente por pouco tempo, sentindo a água salgada e o sangue entrarem por minha boca e preencherem meu corpo.
Uma última vez, escuridão e silêncio.
Acha que funcionou?
Só há uma maneira de ter certeza.
Eu abro meus olhos.
Eu abro meus olhos e vejo cores e formas.
Eu abro meus olhos e começo a chorar.
Lágrimas atingem minhas pernas enquanto me sento no chão, onde permaneço por um longo tempo.
Lentamente me recompondo, começo a observar meus arredores. Nada além de flores azuis se estendem pelo horizonte em todas as direções. Eu pego uma mais próxima de mim e a aproximo de meu nariz.
"Alkanna," penso, me lembrando dos pés que meu pai cultivava em sua casa.
Eu fico de pé, observando minhas mãos a procura de algum ferimento, mas não encontro nada. Eu fecho meus olhos e os toco por cima de minhas pálpebras.
"Um sonho?"
Sinto uma brisa suave passar por mim, me fazendo abrir os olhos novamente.
Em meio ao infinito campo azul, eu vejo uma colinha, com uma imensa oliveira no cume. A mesma oliveira que se encontrava perto da casa de meu pai. A medida que lembranças de minha infância enchem minha mente eu começo a caminhar em direção à árvore.
Antes de ficar embaixo da sombra, eu olho para o céu, vendo que não há nuvens e nem um sol. Voltando a encarar a oliveira, dou mais alguns passos até ficar em frente ao grande tronco cinzento. Toco na madeira levemente ao mesmo tempo que me lembro do que ocorreu minutos atrás.
"Eu estou…"
"Sim, Longino," uma voz de trás do tronco exclama, me interrompendo.
De minha direita surge um ser que não consigo compreender. Um homem e uma mulher? Um idoso e uma criança? Um nobre e um pobre? Todos em um único ser. Com o dobro de minha altura, vestindo uma imensa toga da mesma cor das flores ao meu redor, com uma esfera de fogo pairando sobre sua cabeça. Mesmo sem sentir tristeza ou alegria, lágrimas começam a cair de meus olhos perante sua presença.
"E esse é seu próprio paraíso, Longino. O local onde poderá descansar sua alma. Um plano espiritual, se preferir."
"E… o que é…"
"Sou um amigo. Um mensageiro. Um protetor."
Eu fico de joelhos.
"Obrigado! Obrigado. Eu… eu nunca pensei que pudesse ser perdoado pelo que fiz, eu…"
"Fique de pé, Longino. Isso é uma prova de compaixão, mas seu dever não acabou. É preciso que continue a seguir as ordens dele."
"Sim. Sim, eu aceito."
"Ótimo, ótimo. Há apenas um trabalho para ti: guiar aqueles que, mesmo com a visão intacta, permanecem cegos."
"E… como farei isso?"
"Quando chegar a hora, saberá."
Eu pisco por meio segundo, e a figura desaparece. Sou deixado com minha mente e meu infinito campo florido, sozinho. Me sento no pé da oliveira e respiro profunda e calmamente.
Em meio ao silêncio absoluto do local, eu caio no sono.
Não podemos. Com seu desaparecimento, isso é tudo que nos resta.
E para onde iremos?
Hatay.
E o restante das relíquias?
Queime tudo. Precisamos apenas encontrar as demais, agora.
Espero que saiba o que está fazendo, Marcellus.
Pedro Bartolomeu era um homem pobre, supersticioso e louco.
Quando o monge descalço gritou no meio da noite que foi recebido pelo próprio Santo André, todos os soldados riram. Todos menos Raimundo.
"Onde?"
"A Igreja de São Pedro! Em Antioquia!"
"Antioquia? Onde raios fica isso?"
"O santo me mostrou, fica no centro do Monte Starius!"
Raimundo suspira por um segundo, pensando se realmente valia a pena seguir o pequeno homem.
"Espero que saiba o que faz, Pedro."
A noite passou rapidamente. O monge ficou todo o tempo ansioso pelo que o aguardava, enquanto o soldado repensava suas escolhas.
Quando o exército voltou a marchar pela manhã, Pedro e Raimundo saíram da rota e caminharam em direção ao grande monte que podia ser visto no horizonte. A viajem foi árdua, mas os homens estavam acostumados. Felizmente não houve nenhum grande problema no caminho, a não ser a grande fome que começava a tomar conta dos dois.
Apesar de tudo, em menos de um dia, eles se encontravam perante a pequena igreja de pedra inserida no morro. Raimundo esperava que um local que guarda uma relíquia sagrada fosse grandioso, mas aquilo não abalou sua confiança. Ele estranhou, no entanto, a existência de três estrelas de seis pontas penduradas no topo da parede externa. Pedro correu pela porta principal, deixando seu companheiro para trás.
O soldado entrou cautelosamente. O interior do local parecia mais com uma caverna que uma igreja. Suas paredes eram irregulares e não havia nenhuma decoração ou pintura, exceto a pequena estátua de mármore na parede atrás do altar. O monge já estava retirando os ladrilhos do centro da área enquanto Raimundo passava por ele para examinar os objetos ao seu redor.
Ele começou observando a parte frontal do estranho altar. Também composto por mármore, os únicos detalhes visíveis eram as iniciais "A" e "W" cravadas na pedra, com um estranho símbolo entre elas. Raimundo passou pelo bloco branco e se deparou com algo que ele nunca havia visto antes em uma igreja. Um trono. Assim como tudo no local, o assento era feito de pedra e em seu encosto havia o mesmo símbolo gravado no altar.
Raimundo encostou seus dedos na estranha insígnia, mas nada aconteceu. Por fim, ele voltou sua atenção para a estátua na parede. Certamente possuía as feições de São Pedro, que ele já viu tantas vezes em tapeçarias e escrituras, mas havia algo de estranho com o corpo da figura. Não haviam braços, sua vestimenta parecia com a de um soldado qualquer e suas pernas eram extremamente longas. Apesar disso, Raimundo sabia respeitar a decisão artística de escultores, então não deu muita atenção ao objeto.
"Raimundo! Raimundo eu encontrei!"
O soldado se virou rapidamente e correu em direção ao pequeno buraco que seu companheiro fez. Em meio à terra espalhada ele viu a pequena ponta acinzentada da lança lendária.
"Santo Deus. Rápido, tire isso daí, temos que ter certeza."
O monge segurou a ponta e facilmente retirou a longa arma do chão. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, uma figura desconhecida o interrompeu.
"O que procuras, minha criança?"
Pedro arregalou os olhos do fundo do buraco, apertando a lança com firmeza. Raimundo, por outro lado, caiu de costas no chão, maravilhado com a presença do homem à sua frente.
"É… é um anjo?" O monge perguntou, com a voz trêmula.
O legionário, contudo, permaneceu em silêncio.
"Responda a pergunta dele Pedro!"
"A vitória. Precisamos da vitória nesse eterno combate! Precisamos de força para derrotar nossos inimigos! Nos ajude, por favor!"
Longino parecia confuso.
"Sinto… sinto que não posso lhe ajudar com isso."
E em um piscar dos olhos, ele se foi. Os homens não conseguiram nem processar a resposta, já que ainda estavam em choque com relação ao ocorrido.
"Era real. Foi tudo real!" Pedro exclamou.
"Santo Deus, santo Deus…"
"Anda, Raimundo, temos que contar aos outros!"
O soldado ajudou o monge a sair do buraco e, em poucas horas, os dois estavam de volta no caminho para encontrarem seu exército.
A maioria dos soldados acreditou no relato dos dois homens, além dos poucos que puderam ver com seus próprios olhos o milagre e, assim, ao invés de recuarem mediante a imensa fome que os sofriam, eles continuaram lutando. Em apenas cinco dias os cruzados tomariam toda a região da Antioquia, abrindo espaço para a vitória final na longa batalha que enfrentavam.
Contudo, os nobres e oficiais permaneceram céticos. Alguns sacerdotes consideraram as falas dele como um sacrilégio, por mais que alguns soldados tenham visto de primeira mão o santo legionário.
Para provar suas visões, o monge precisou correr por paredes de fogo, e apenas se sobrevivesse sua palavra seria considerada verídica.
Pedro Bartolomeu resistiu por doze dias, agonizando sozinho em meio ao exército. Sua existência foi esquecida pela nobreza e pela Igreja, além de sua imagem ter sido para sempre atribuída a um mero charlatão.
Porém, os poucos soldados que acreditaram em sua visão, guiados por Raimundo, mantiveram sua memória viva e, acima de tudo, a sagrada relíquia segura.