Cleiton

Eu estou cansado.

Eu estou cansado de tudo. Cansado de agir como uma babá com doutorado, cansado de ouvir reclamações dos meus superiores; mas acima de tudo, estou cansado de como eles conseguem cair tão facilmente nos truques desses seres.

Meu nome é Dante Gabriel dos Santos, sou um psicólogo que trabalha na Fundação há uns seis meses. Fui convocado para essa vaga à pedido de um conhecido da faculdade onde estudei. Foi uma surpresa quando eu soube que o trabalho consistia em realizar sessões como psicólogo de seres anormais que normalmente querem me matar. Mas também, quem não quer; não é mesmo?

Essas pessoas acham que conseguem persuadir seres com capacidades sobre-humanas apenas dando uma de psicólogo infantil. E sabe por que eu acho isso? Porque eu vi. Eu vi um psicólogo com dez anos de experiência a mais do que eu cair nos truques de um SCP.
Ele era como uma marionete seguindo todos os comandos de seu dono. O doutor estava falando com o sujeito como se fosse seu filho tão querido, parecia que o SCP estava tirando mais informações dele, do que o contrário. Era como um livro aberto para aquele ser.

Após presenciar uma cena como essa, eu quis saber se eu tinha descoberto algum tipo de efeito memético vindo daquele SCP. Então raletei meu ocorrido ao meu superior, o Dr. Kohl, e pedi para eu mesmo realizar uma sessão com aquele pequeno mentiroso. Ele enviou meu pedido aos maiorais da Fundação, os quais por incrível que pareça, aceitaram.

Quando o dia chegou, lá fui eu entrevistar SCP-193-PT. Me sentei de frente ao mesmo e comecei a conversar com o indivíduo calmamente. Era como se eu estivesse falando com um amigo muito próximo meu. E foi aí que eu percebi, eu estava caindo na lábia daquele maldito. Eu só tive sorte de que no meio da discussão eles se desentenderam e me deram a brecha para perceber o que estava acontecendo.

E você sabe o que eu fiz quando percebi que estava caindo na malícia do desgraçado? Nada. Eu apenas me segurei para não encher ele de porrada. É engraçado ouvir isso de um psicólogo, mas eu não tenho um controle muito bom das minhas emoções. Se eu sinto muita raiva, é bem possível que eu comece a agir impulsivamente. E você sabe muito bem que se tem algo que me deixa irritado, é ser enganado.

Enquanto eu seguia fingindo que tudo estava bem, comecei a refletir sobre o que seria tão importante para que “eles” corressem o risco de serem pegos. Então eu usei todos esses anos de aprendizado sobre a psique humana para coagir eles a me falarem.

Um registro será feito sobre essa conversa, mas eu tenho certeza de que eles não vão colocar o que realmente aconteceu entre nós. Eles irão distorcer o diálogo, possivelmente de uma maneira bem tosca. Então eu vou escrever na folha do caderno de anotações o que realmente aconteceu quando eu entrei em ação:

“SCP-193-PT-2, devo lhe lembrar que você deve me contar tudo o que sabe. Caso contrário, os guardas podem não ser tão bonzinhos quanto da última vez.”

SCP-193-PT-2: Do que você está falando, doutor. Eu não me lembro de nenhuma “Última vez”.

“Ah é, eu esqueci que aplicaram amésticos em vocês.”

SCP-193-PT-2: (Silêncio) …O que você quer dizer com isso?

“Bom, acho que já é tarde para tentar esconder. Veja bem, aqui na Fundação nós temos uma substância chamada “amnéstico”. É uma droga que apaga a memória de um período específico de tempo de alguém em contato com a mesma.”

SCP-193-PT-1: Mas, por que injetariam algo assim em nós? Fizemos algo de errado?

“Bom, pode se dizer que sim. Vocês tentaram escapar da contenção durante uma das sessões com um psicólogo, que também acabou tendo que receber amnésticos depois. O que eu acho justo, já que vocês o fizeram de escudo humano contra os guardas. No fim, os dois foram pegos e então punidos. Não vou entrar em detalhes sobre o que fizeram com vocês, apenas saibam que tiveram que aplicar amésticos nos dois, já que não aguentaram a pressão física e psicológica pela qual passaram.”

SCP-193-PT-2: Mas então por que você está contando tudo isso?

“Porque eu tive pena do que aconteceu com vocês dois. Tenho medo que, caso não falem tudo o que sabem, eles sejam mais rigorosos, e que não tenham a bondade de fazer ambos esquecerem o que aconteceu. Por isso peço que digam tudo que sabem, e por favor não inventem mentiras para tentar despistar. Mais cedo ou mais tarde, eles vão acabar descobrindo.”

E então eles falaram tudo, desde o cara com braço de metal, até o que lhes foram dito sobre serem “os pés de Deus”. É impressionante o quanto se dá para tirar de alguém apenas causando pânico, e então fingindo ser seu amigo.

Após o fim da sessão, eu saí da sala e perguntei ao meu superior, o qual havia assistido tudo, como havia me saído. Ele me olhou com um olhar bem sério por alguns segundos, até soltar sua única frase:

“Acho que você foi um pouco longe demais.”

Quando ouvi isso, eu soube que havia cometido um erro. Eles não iriam me demitir, já que alguém com o meu currículo não aparece todo dia; mas eles não iam ficar parados e apenas aceitar. Então pensei que eles iriam me drogar e apagar minhas memórias.

Mas não é isso que me preocupa. O que me preocupa é que, se um SCP conseguiu persuadir os agentes da fundação com tanta maestria, o que garante que outros não estejam fazendo o mesmo?

E é por isso que escrevo essa carta. Caso eles realmente apaguem minha memória, eu quero que alguém siga minha investigação atrás de outros SCP’s que escondem informações da Fundação. E isso pode soar estranho (e um pouco solitário), mas você é a única pessoa que posso confiar totalmente dentro desse lugar. Espero que faça isso por um “amigo esquecido” como eu.

Agora, se me der licença, eu vou tomar um último café antes que apaguem minha memória.

De: Dante Gabriel dos Santos
Para: Dr. Santos

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